Do lado de dentro do “guichet” de atendimento duas mulheres conversam. Uma mais velha, outra menos; a que me atendeu e facultou os documentos que queria consultar. Por isso fiquei ali, na sala, do lado de fora, durante uma boa meia hora, concentrada nos papéis, mas desconcentrada com a conversa das duas. A jovem, que ao primeiro olhar me pareceu serena e tranquila, era afinal uma mulher revoltada, com uma capa obrigatória que enverga no atendimento público. Percebi isso mais tarde, na sua oralidade revoltada e sem comedimento de volume, que se ergueu por diversas vezes, contra alguém, que lhe anda a fazer a vida negra, para tirar da sua custódia, duas crianças de tenra idade. Mostrou-se disposta a lutar e a enfrentar todas as instâncias, para as segurar. Mais tarde, a sua colega de trabalho comentava com outra, que a rapariga em causa, vive uma situação complexa também a nível financeiro com repercussões, sobretudo na alimentação.
Enquanto eu me tentava concentrar no propósito da minha deslocação aquele lugar, ainda ouvi mais uma conversa que a dois metros se desenrolava. Mais uma jovem, esta bem mais do que a outra, queixava-se à amiga, das contas absurdas, que a colega com quem partilha a casa, lhe tem apresentado, referindo por diversas vezes a frase “eu não tenho dinheiro para pagar isso”.
Por mais que eu tente, é quase impossível não aturdir com os problemas dos outros, quando esses outros, falam da sua vida privada, em público, sem moderação de tom de voz e na maior das descontracções. Em ambas as conversas, um denominador comum: o dinheiro. Para o bem e para o mal temos de viver com ele. Mas é a sua escassez ou mesmo ausência, que faz a realidade perder a sanidade necessária.
A minha consulta aos documentos em causa, ficou-se pelo tirar de umas notas e tópicos que procurarei encontrar com mais pormenor, no mundo virtual e na tranquilidade do meu espaço, onde não ouço conversas alheias e onde, só um simples e doce “miau” me pode desconcentrar.
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