quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Compaixão

Hoje conheci o Marco. Corpo miúdo, tez pálida, doente, toxicodependente em tratamento e com recaídas. Tem 28 anos.
Apareceu-me meio a resmungar, no parque de estacionamento de um Hipermercado. Vinha danado com alguém que não lhe deu, o que ele quase suplicava. Surgiu, no momento em que eu começava a guardar a tralha comprada, na bagageira. Apressou-se a ajudar, não sem antes dizer um “boa tarde minha senhora”. Este tipo de abordagem é demasiado frequente em locais do género, e se, em muitas ocasiões é a necessidade que faz a atitude, noutras é puro engodo. Em meia dúzia de minutos, o Marco, contou-me praticamente a sua vida toda. Que anda a tratar-se, que hoje, já tinha “recaído“, que tem um filho pequeno, que tinha estado no tribunal a ser ouvido, que não tem Pai há 16 anos, que a mãe é “uma leviana”, que vive num quarto, que não tem emprego… As palavras escapavam rápidas e com uma fluência, que quase não me davam hipótese de dialogar. Não lhe dei conselhos, porque deve estar farto de os ouvir. Escutei-o e disse-lhe apenas que deveria pensar no filho e fazer um esforço para se curar. Pediu-me ajuda para pagar o suposto quarto onde vive. Dei-lhe cinco euros que era o dinheiro que tinha. Pegou-me na mão, apertou-a com força, ao ponto de as sentir quentes e fragosas. Agradeceu a minha paciência, para o ouvir. Logo a seguir, disse que ainda me queria pedir outro favor: “ três euros e meio para um maço de cigarros”. Disse-lhe que não, mas acabei por lhe entregar um resto de meia dúzia, que tinha comigo. Voltou a agradecer e ainda me ficou com o isqueiro. Ainda me pediu mais um favor. “O número do telemóvel para quando estiver aflito, possa ter alguém, com quem falar”. Aqui, não cedi. Disse-lhe que tinha pressa e que me ia embora. Voltou a pegar-me na mão: “A senhora tem um bom coração, deve ser muito feliz”. Troquei as palavras por um sorriso, para não ter de responder e entrei no carro. Dizer-lhe que sim, era mentir-lhe, porque o conceito de felicidade, a existir, varia de pessoa para pessoa. Dizer-lhe que não, era uma injustiça.
Regressei a casa a pensar nele. “Eu, vou para casa, ele para onde irá?” Consumir droga e continuar a consumir a sua curta vida, que poderá ter menos existência pela frente, do que, a que deixou para trás??? E quantos “Marcos” andam por aí e os que já não andam…!!!???

2 comentários:

Gaius Germanicus disse...

A sua experiência faz-me igualmente recordar muitas histórias de decadência humana a que assisti. Algumas na cidade de Viseu, em pleno Rossio, onde diversos anónimos e outros menos deambulavam quais mortos-vivos à procura de mais uma "refeição". A maior parte dessas histórias são verdadeiros dramas de famílias destroçadas, de vidas sem rumo e de mortes precoces. Lembro-me ainda do nome de alguns. Daqueles que sobreviveram e dos muitos mais que morreram sem serem recordados.

É perante esta realidade, que não conseguimos eliminar com benzina ou pintar de cor de rosa, que muitas vezes nos questionamos que farão eles quando estamos no aconchego seguro dos nossos lares. Por vezes, pequenos gestos como o seu fazem toda diferença no dia de quem se habituou a ser uma margem esquecida.

Ave Caesar

MFP disse...

Os “Rossios” das cidades, são como mundos em ponto pequeno. Têm de tudo um pouco. No de Viseu, são as pombas que dominam o espaço. Elas e os “senhores” que do alto da idade e da sobra de tempo, lhes vão dando mais algumas migalhas.
Actualmente para mal da humanidade, há outros seres vivos, em busca delas.